
O debate natureza-cultura se refere aos questionamentos acerca do papel da natureza e da cultura no desenvolvimento de características humanas, mas também faz referência à separação entre biociências e humanidades. Dentro desse debate, existe uma gama de pares de conceitos, algumas vezes tratados em oposição, no que podemos chamar de dualismo. Discussões do campo de gênero e sexualidade também fazem referência a esse debate, por exemplo, quando os conceitos de sexo e gênero são abordados de modo que sexo remeteria ao ?biológico? e gênero ao ?social?. Isso se deve, em parte, à própria emergência do conceito de gênero, que surge justamente para demarcar uma crítica ao determinismo biológico. Contudo, esse importante movimento também produziu algumas posturas biofóbicas ou anti-biologia, que encaram aspectos relacionados à biologia - neste estudo denominado genericamente ?o biológico? - como limitantes, construindo uma imagem enrijecida dela, muitas vezes sustentada pelo determinismo social. De maneira crítica à essas posturas, perspectivas pós-dualistas como aquelas das feministas biólogas, recusam determinismos biológicos ou sociais e pensam a partir do ?biossocial?, entendendo os pares do debate natureza-cultura como emaranhados e não em separação ou em oposição. Junto disso, feministas biólogas constroem novos entendimentos acerca ?do biológico?, fora da sina determinista e vigilantes à cisheteronormatividade. Levando em consideração que é crescente o número de estudos da área de pesquisa em Ensino que abordam gênero e sexualidade, faz-se necessário compreender como as palavras e expressões derivadas de ?biologia? são mobilizadas nessas pesquisas. Para tanto, foram analisados, a partir de referenciais teóricos pós-dualistas, vinte artigos de periódicos da área de pesquisa em Ensino, publicados entre 2018 e 2020, a fim de caracterizar o debate natureza-cultura e compreender as relações que eles estabelecem com ?o biológico?. Como resultados, em linhas gerais, os artigos analisados apresentam relações interacionistas entre os pares do debate natureza-cultura, havendo baixa representação de perspectivas pós-dualistas. Junto a isto, observamos que os estudos se referem ?ao biológico? de distintas formas, de modo que foram construídas sete categorias para demonstrar as interpretações ?do biológico?: materialidade, determinista, pedagógica, discursiva, como campo de estudos, como conhecimentos/conteúdos e ?outras biologias?. Além disso, constatou-se que os temas mais comumente associados ao ?biológico? foram: saúde/doença, anatomofisiologia e reprodução. Ainda, investigamos os efeitos do uso dessas palavras e expressões, o que nos leva a afirmar que preponderam efeitos limitantes. Esse aspecto unido aos anteriormente mencionados, evidenciam que estes estudos podem contribuir para a construção de uma imagem enrijecida do ?biológico?. Por fim, apontamos a necessidade de que as pesquisas em Educação em Ciências construam novas relações com ?o biológico?, a partir de perspectivas pós-dualistas, como a das feministas biólogas, promovendo vigilância quanto aos determinismos - tanto biológicos, quanto sociais.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Florianópolis, 2022.
Autor: Bruno Tavares
Orientadora: Adriana Mohr