
A eugenia foi um movimento científico e social baseado em uma compreensão das leis da hereditariedade humana que propunha o aprimoramento constante da composição hereditária das raças nacionais, seja pelo incentivo dos indivíduos ?aptos? a se reproduzirem, seja pelo impedimento de reprodução dos considerados ?inaptos?. Mais de 30 países desenvolveram movimentos eugênicos organizados e, portanto, a eugenia não pode ser compreendida como um movimento único e coerente, mas sim diverso e complexo, pois reproduziu-se tanto por meio da genética mendeliana quanto pelo neolamarckismo, ao mesmo tempo em que foi defendida por projetos reacionários, conservadores, comunistas, anarquistas, liberais e feministas. A eugenia aparece como tema de grandes potencialidades para a educação em ciências e para as relações étnico-raciais, pois evidencia interfaces entre ciência, tecnologia e sociedade. No entanto, há pouca representatividade do tema na área do ensino. Das raras vezes em que é mencionado, o foco costuma ser colocado sobre as correntes alemã e estadunidense, o que caracteriza uma escassez de trabalhos acerca da eugenia latino-americana. Considerando que a utilização da história e da filosofia da ciência (HFC) como recursos didáticos dentro da educação científica pode, em tese, ajudar a construir visões menos ingênuas sobre a ciência, e considerando, também, que o estudo da história de mulheres na ciência pode colaborar para uma visão da natureza da ciência menos androcêntrica, esta pesquisa buscou responder à seguinte questão: que discussões de e sobre ciência podem ser desenvolvidas visando a educação científica e tecnológica mediante a análise do texto ?Algumas ideias sobre eugenia?, escrito por Paulina Luisi? Esta pesquisa teve como objetivo geral apontar discussões possíveis sobre História das Ciências na Educação Científica a partir de um texto original sobre eugenia, escrito por Paulina Luisi. Nesse sentido, os objetivos específicos foram os seguintes: 1) Evidenciar a importância histórica de Paulina Luisi para o movimento eugênico do Uruguai; 2) Analisar o contexto de produção e a repercussão do artigo ?Algunas ideas sobre eugenía?; 3) Traduzir para português o artigo ?Algunas ideas sobre eugenía?, escrito originalmente em espanhol; 4) Apontar e propor potencialidades da utilização da tradução dessa fonte primária na educação científica. Paulina Luisi (1875-1950) foi a primeira mulher a ter o título de diploma superior no Uruguai, formou-se em medicina no ano de 1908 e foi também a primeira mulher a lecionar em uma universidade no país. Figura importante no movimento feminista do Uruguai, com participação na fundação do Partido Socialista del Uruguay (1910) e do Consejo Nacional de Mujeres (1916), é conhecida por ser uma defensora da eugenia latina e uma das pioneiras na defesa da educação sexual, a qual a autora chamava de enseñanza biológico-eugenésica. No artigo pesquisado, a autora elabora um panorama das discussões sobre a ciência eugênica da época, com foco específico na questão de como evitar o nascimento dos considerados degenerados. Dentre seus argumentos, destaca-se a defesa do aborto eugênico ao invés da prática da castração ou esterilização. Após realizar uma tradução comentada do texto, considerei pertinente refletir sobre as potencialidades do texto para a discussão de história da ciência na Educação Científica. A primeira potencialidade é o fato desse texto agora estar acessível em português para o público brasileiro. A segunda, por sua vez, é a de possibilitar o estudo da história da eugenia discutindo-se os quatro mitos históricos sobre o movimento eugênico, descritos pelo historiador Mark Adams. Através do trabalho pedagógico com fontes primárias é possível discutir a natureza da ciência em seus diversos elementos e problematizar visões ingênuas de ciência. A pesquisa aponta para as potencialidades do uso da história e filosofia da ciência como recursos didáticos na educação científica, contribuindo para uma compreensão mais crítica e contextualizada da ciência e de suas implicações sociais.
Autor: Nicoladeli, Angelo Tenfen